Quando saí do Brasil nos meados dos anos 90, ser Pastor era
considerado chique! Hoje, quando retorno a minha terra tão amada,
penso duas vezes antes de revelar minha profissão.
Pastor nos anos 90 era uma pessoa de respeito na sociedade brasileira. Pastor
gozava de um certo status na sociedade, pois a igreja evangélica pregava a liberdade, o amor e a graça de
Deus, o que levou a igreja católica a perder uma série de fiéis. Concorrência
entre as igrejas quase que não existia, pelo contrário elas uniam suas
forças por um Brasil melhor e tinham um sonho em comum, de um despertamento espiritual que levasse o
pais a redescobrir um Deus perante o qual todos somos iguais, cujo amor é incondicional,
um Deus que nos liberta do medo.
Hoje, tudo mudou. Assim como o mundo, a igreja deu voltas.
Hoje, o sol não mais brilha como antes nas igrejas
brasileiras. O ”levanta e resplandece,
pois já vem a tua luz ...“ (Isaías 60) do final dos anos 80 e início dos 90
se chama hoje ”acenda seu holofote e faça-se de
luz.“ Nossas igrejas estão cheias de estrelas.
Estrelas do púlpito e estrelas da música. A igreja começou a
produzir um, assim como a música brasileira, produto de massa. Um crente se parece ao outro crente, a linguagem
e o vocabulário são os mesmos, se você viu um, você viu todos! Mas eu me recuso
a ser a copia de alguém e, assim como eu, pensam muitos. Ser pastor hoje é ter a fama de ser o gerente dessa fábrica de clones. Ser pastor hoje é ter a fama de
manipular a massa para alcançar seus próprios interesses. Ser pastor
hoje é ter fama de ser corrupto e depositar os dízimos e ofertas na própria
conta bancária. Ser pastor hoje é ter a fama de construir um reino no qual a
imagem da família pastoral é vendida como a ”sagrada familia“ José, Maria, o
menino Jesus e seus discípulos. Ser pastor hoje é ter a fama de ser a
autoridade suprema, o educador da nação, a voz direta de
Deus, um pequeno deus que não deve ser discordado por ser o ”ungido do
Senhor“.
Minha imagem de
Deus, de igreja e do chamado pastoral é outra! Não gosto
que me chamem de pastor. Meu nome é Maurício e assim quero ser chamado. Quando
Deus me chama pelo meu nome ele não diz ”pastor Maurício“, mas sim “Maurício“
ou ”meu filho“. Pastor não é um título como ”Doutor“, mas a descrição de
uma função.
Quando pessoas se convertem ou quando um visitante
simpatizante com o cristianismo começa a frequentar
minha igreja, sempre o convido para tomar um café comigo em uma lanchonete na
esquina ali próximo. Nesse tempo, eu tento descobrir mais a respeito dessa
pessoa, mas para mim é importante saber como
ela vê minha igreja ou os cristãos na
sociedade, como colegas de trabalho, amigos, parentes, conhecidos
... Quando ficamos sempre entre nós, quando ouvimos somente críticas dos
próprios membros, nossa visão de igreja é limitada. Nós nos acostumamos com
a estrutura igreja e com o tempo tudo se torna tão conhecido como nossa jeans
preferida e nossa crítica passa a ser parcial e imprecisa. Eu me
sinto na obrigação de saber como a sociedade e as
diferentes gerações veem a igreja, pois o evangelho quer
alcançar as pessoas onde elas estão. Mas
onde estão as pessoas hoje? O que elas pensam?
Quais são os valores atuais na sociedade? Se a
sociedade mudou, como era antes e como se tornou hoje? Quais livros, fatos,
movimentos, pessoas influenciam o mundo de hoje e por quê?
Eu leio dois ou até três livros por mês, não
somente literatura de ficção, mas também sobre temas atuais, pois eu quero estar no pulso do tempo, para
que minhas pregações possam ser uma resposta a perguntas
atuais. Leitura é uma obrigação para a igreja de hoje, pois cultura e
educação são coisas que para a geração atual é algo essencial. Se a
igreja é os pés de Jesus nesse mundo, ela precisa se informar sobre o mundo no
qual ela anda, pois a cartografia do mundo, as ruas das nossas ”tão
conhecidas“ cidades, as conversar nos barzinhos da vida, os problemas do
dia-a-dia (e a lista não tem fim!) mudaram
radicalmente. Se não quisermos tropeçar pelas
ruas do mundo atual, precisamos nos informar ou nos tornaremos, no pior das opções,
tropeço! Ao invés de nos unirmos para elegermos
políticos, que por sinal não podemos garantir que não irão se corromper, deveríamos unir nossas
forças para que pobres tenham acesso a boas escolas e universidades. Precisamos
aprender com os Jesuítas que fundaram escolas e foram ouvidos. Jesus não veio
somente para salvar nossas almas, mas para mudar nossas vidas.
Muitas igrejas,
muitos fiéis se tornaram pedra de tropeço! ”Escândalos virão! ...“ -
disse Jesus. ”Mas ai de quem através do
qual eles vierem!“ (Lucas 17,1) Se
existe um tribunal que julgará esse mundo (e essa tem sido a mensagem principal
em muitas igrejas!), esse tribunal, ou seja o julgamento, começará na igreja!
Já fazem meses que penso em escrever minha crítica sobre a
igreja de forma clara, mas ao ser convidado a participar de um grupo de discussão sobre
o tema ”Encanto
e Descarrego no Pentecostalismo Midiático“, no final da discussão percebi que não quero mais reter meu
desabafo. Dessa grupo fazem parte intelectuais brasileiros que moram em
Hamburgo e estudantes que estão fazendo doutorado na Alemanha. Depois do discurso de um simpático
sociólogo do norte do Brasil, logo no início da discussão, após elogiar a
excelente pesquisa e o olhar externo de um atento observador da Igreja Universal do Reino de Deus, tive
que sair do meu armário e me revelar
como pastor. Após ouvir durante 90 minutos a pesquisa de alguém que se
infiltrou em uma igreja brasileira para descobrir a sutil maneira como o medo é
usado para manipular a massa, e ao perceber o paralelismo com várias igrejas e
denominações brasileiras, minha primeira reação foi de vergonha. Sim, eu me envergonho de
exercer uma profissão que tem levado pessoas a se afastarem não somente de igrejas ou
do cristianismo em si, mas principalmente de Deus! A própria igreja tem se
tornado pedra de tropeço e muitos pastores tem contribuído para isso.
Claro
que a Universal é um caso especial e que muitas denominações se afastaram da
mesma. Mas será que as outras igrejas são melhores ou não tem seus defeitos? Ecclesia semper reformanda, esse é o
lema de uma teologia saudável. A igreja precisa sempre se questionar e como,
fruto dessa crítica a si mesma, se reformar para responder às perguntas atuais
e alcançar a geração atual. 70% das pessoas que participaram dessa discussão na Universidade de
Hamburgo fizeram parte de uma igreja evangélica no Brasil ou eram simpatizantes. Nós podemos assumir a fácil posição defensiva e
dizer que as pessoas que criticam os evangélicos são ”desviados“, que escolheram o ”caminho do pecado“. Por outro lado,
podemos ter a coragem de perguntar onde erramos e talvez ir além e aprender com
os nossos erros e assim corrigir nosso curso. Eu fui convidado a assumir um
polo contrário nessa discusão, mas como pastor que sou, ao ver tantas ovelhas feridas, sem me tornar um
advocatus diaboli, minha primeira reação foi de vergonha. No decorrer da discussão, ficou claro para
mim, que a igreja se tornou um mundo
paralelo e que os cristãos tem se esquecido de que também são cidadãos desse mundo. Os detalhes da discussão iriam tomar muito espaço nesse blog (ainda que meu leitor saiba que meus textos são
longos :-) ), mas, resumindo, o que
para mim ficou claro nessa discussão justa e cheia de respeito mútuo em uma
noite de um verão maravilhoso aqui em Hamburgo, foi que a igreja precisa de uma conversão para o mundo ao seu redor. Nós somos parte do problema no qual nos
encontramos, mas também somos parte da solução!
Há
muito tempo tenho dito que vivemos no período
pós-moderno, onde valores absolutos não mais existem, onde
verdade é algo relativo, onde certo e errado é pessoal, onde cada um assume a
liberdade de optar pelo seu próprio caminho, quebrando tabus e se rebelando
contra doutrinas absolutas e descobrindo sua própria verdade. Esse é o espírito do mundo atual! Assim
caminha a humanidade hoje e, nesse mundo e não em um outro, Jesus
Cristo estabeleceu uma igreja para ser luz e para mostrar seu amor, isso não em forma de palavras
somente, mas em atos e fatos tão palpáveis quanto seu sangue na cruz.
Nesse contexto no qual vivemos, observo que
a igreja, ou grande parte dela, tem assumido duas
posições extremistas: uma liberal, onde tudo é
permitido, onde o mundo invade a igreja e a mesma se torna pálida, sem cor
alguma e sua mensagem é aguada e por isso sem sabor algum; e uma fundamentalista, onde a letra é pregada,
onde não o conteúdo, o contexto ou a essência é destacada, mas tudo é tomado
literalmente ao pé da letra e a lei e não a graça prevalece. O evangelho do medo é tão satânico quanto o evangélho do tudo é permitido, pois ambos se afastam
do verdadeiro amor. No contexto brasileiro observo o segundo extremo. A
sabedoria nos ensina que a verdade está no meio de dois extremos.
Eu
penso que muitas coisas precisam ser mudadas na igreja hoje, para que ela
alcance o respeito e assim também os ouvidos da geração atual. Aqui seguem dois pontos que poderiam ser um começo. Primeiro, a função
principal da igreja não é educar as pessoas, mas sim amar. Segundo,
pastor não é
intocável e autoridade espiritual que não pode criticado e
descordado.
Um
exemplo do meu primeiro ponto: A cansativa discussão sobre a homofobia ou sobre o casamento gay tem levado a igreja a
perder sua credibilidade aos olhos de muitas pessoas. Acho que se até agora, não ganhei a atenção de alguns leitores, acabo de alcançá-la! Na minha opinião, não é função da igreja educar as
pessoas ou tratar adultos, pessoas maduras como se fossem crianças. Cada um é
responsável pelos seus atos! Cada pessoa tem o direito de escolher o caminho
que quer seguir ou não! Pastor não é educador, mas sim mãos, pés e voz dAquele que veio para revelar o amor de Deus. Se a música tem
razão e nós somos realmente ”o único
Cristo que muitos irão ver“, então preciso me perguntar quem as pessoas tem
visto em mim. ”Amar
significa também odiar o pecado!“, é o argumento de muitos nesse ponto da discussão. Amar significa para
mim, acolher, aceitar, respeitar o outro. Nossa função é demonstrar o amor
de Deus, o resto é com ELE. Fé é dádiva de Deus e não de homens e seu muito
falar. Eu posso e devo falar sobre o amor de Deus, mas se alguém escolhe ser
homossexual, se o casamento gay é liberado, minha função é respeitar a escolha
e, sendo assim, o livre arbítrio do outro. Isso, ainda que eu também tenha o
direito de dizer que família, no meu padrão permanece sendo
formada por homem, mulher e criança e que educar é função primordial da família
e não da escola. Assim, um kit gay
não cabe no meu mundo! Uma verdade permanece inabalável e essa é que Deus ama o homem e tem seus
próprios caminhos para alcançar seu coração, que nosso chamado primordial é para amar. Eu vejo que medo é, nesse
assunto, o motor da radicalização evangélica nesse ponto. Medo de não falar a ”verdade“ e
ser castigado. Sendo assim, é melhor ferir o outro do que ser ferido pelo
julgamento de Deus. Isso é egoísmo! Jesus no entanto não olhava a forma do
pecado das pessoas, mas sim o contexto, o coração, o motivo das
escolhas e o fruto do pecado de outros. Somos
Jesus? Reconhecemos realmente a pessoa que condenamos? Nossa tarefa é amar
e falar desse amor que nos leva a gozar da liberdade para a qual Deus no criou.
Amar e confiar no amor de Deus é o que devemos fazer e não criticar e condenar.
Antes de ver as cadeias dos outros, precisamos sair das nossas próprias.
Meu segundo ponto é tão problemático para muitos como o primeiro. Há algum tempo atrás, uma amiga me ligou e
disse que visitou uma igreja pentecostal aqui em Hamburgo e que, após o culto,
fez um comentário negativo a respeito da pregação do pastor. Uma outra
amiga, ao ouvi-la, disse que ela deveria se arrepender e pedir perdão a Deus, pois caso
contrário ela poderia ser castigada e até morrer por ter tocado no ungido do Senhor.
No dia seguinte ela me ligou e pediu minha opinião a respeito. Minha
resposta: ”minha querida, caso isso fosse verdade então a maioria dos membros
e ex-membros da minha igreja já estariam mortos há muito tempo!“ Ser pastor
realmente não é fácil. Várias vezes pensei seriamente em abandonar meu chamado e
escolher uma outra profissão. Uma ou outra vez estive muito próximo de fazer o mesmo. Não é fácil lidar
com um grupo de pessoas completamente heterogêneas, cada uma com sua própria
história, cultura, formação, ideias e vontades. Por outro lado, é tão gratificante ao ver
que Deus é o que nos une e que diferenças nos levam a descobrir facetas
diferentes de um Deus que criou toda essa diversidade. O mito do ungido do
Senhor é mais uma forma do medo que vejo na igreja hoje e que coloquei na discussão na universidade semana
passada. Pastor é pares inter pares,
um entre pessoas iguais a ele e não o rei da cocada preta. A Igreja
é construida pelos fieis e por todos,não pela liderança apenas. Aquilo que eu
construo é parte de mim, o que os outros constroem não é meu. Igreja somos
você e eu, somos nós e Deus. Eu defendo
o congregacionalismo com unhas e dentes. O pastor deve levar as pessoas a
Deus e não prendê-las à sua pessoa. “Minhas
ovelhas“, disse Jesus, “ouvem minha voz
e me seguem.“ A boca de Deus é Jesus e não o pastor. Nós devemos ir à fonte e não à placa que aponta para a mesma. A função do pastor é mostrar
aos fiéis o caminho até a fonte, é beber dessa água diante da congregação e mostrar o quão pura, cristalina e
fresca essa água é! Muitos pais perderam seus filhos, muitos esposas perderam
seus maridos, muitos filhos perderam seus pais, pois as famílias, ao invés de
cultivarem o diálogo entre si, a troca de ideias e assim tomarem decisões próprias e em oração, tem hoje seguido a
determinação de pastores, ou dos apóstolos e Bispos modernos que se veem como
autoridade espiritual sobre a vida dos fiéis. A ditadura que dominou o Brasil
durante décadas a fim chegou infelizmente a muitas igrejas.
Após
3 horas de discussão, resolvemos terminar a noite em um barzinho próximo da universidade, onde
continuamos nossa conversa sobre Deus e o mundo, sobre Brasil e Alemanha, sobre
igreja e o dia-a-dia. Em um mês o mesmo grupo se encontra novamente e agora fui
convidado a fazer parte do mesmo. Em alguns meses serei eu o palestrante da
noite, temas sobre os quais gostaria de falar é o que não falta, mas até lá quero
conhecer essas pessoas tão interessantes e talvez, nesse meio tempo, uma ou outra apareça na minha ou em uma igreja e,
quem sabe, percebam que Deus é real e que igreja não é tão ruim quanto sua fama.
Ainda
que muitas vezes pense realmente duas vezes antes de dizer que sou pastor, sou
o que sou, um homem que acima de tudo quer cumprir a vontade de Deus. Não quero cair na síndrome de Elias achando que sou o último dos Moicanos, definitivamente não sou, pois somos muitos os Moicanos nessa geração.
Mulheres e homens que amam o chamado de Deus de compartilhar o amor de Jesus
com pessoas sedentas por uma razão de viver. Mulheres e homens que não querem ser escândalo,
mas luz. Pessoas que veem e respeitem os outros como semelhantes que são, pois “Deus amou o
mundo...”, e não somente a igreja, “... de tal maneira que Ele enviou
seu filho unigênito para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (João 3,16) O tempo chegou onde a Igreja precisa parar
para refletir e corrigir seu curso. É tempo de deixarmos os holofotes de lado e
esperarmos pela luz verdadeira. É tempo de irmos atrás das ovelhas feridas. É
tempo de pararmos de glorificar o nosso próprio nome e honrar o nome de Deus ao
demonstrarmos o amor dELE por um mundo tão cheio de contradições, como as nossas
próprias vidas, mas ainda assim eternamente amado.
Por favor, compartilhe esse texto.
Graça e paz querido irmão!
ResponderExcluirDiscordo quando você diz: "a função principal da igreja não é educar as pessoas, mas sim amar". Na verdade o que podemos entender pelas Escrituras é que a missão principal e última da igreja é a glória de Deus não é verdade?
Querido Anderson, obrigado pelo seu comentário. Concordo com você no que diz respeito a glória de Deus. O ponto é o que significa isso na prática? Alcancar a glória de Deus é algo abstrato. Traduzindo isso para prática e no contexto bíblico seria viver de tal maneira que Deus seja não somente reconhecido nos nossos atos, mas refletido na nossa vida. Isso tudo seria impossível sem o amor nas suas duas direcoes ou melhor três! Se recebemos esse amor e reconhecemos o quão fomos perdoados passando a nos amar, somos ou devemos então sermos livres para amar o próximo e amarmos a Deus. Só assim e pela Graça podemos como Igreja buscar a glória de Deus. Graça e paz, Maurício.
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